Viagem a Minas Musical

Sinopse
Viagem a Minas Musical é uma apresentação poética-musical-cênica que leva o público em uma deliciosa viagem pelo estado de Minas Gerais, rico em tradições culturais, paisagens, sabores e prosa.
O roteiro é estruturado a partir de poemas do livro Viagem a Minas Gerais, de Wagner Merije (2013), entre outros, entrelaçado com canções de domínio público e de intérpretes e compositores como Clara Nunes, Milton Nascimento e o Clube da Esquina, Ary Barroso, Martinho da Vila, Caetano Veloso, Paulo Diniz, Wando e Ataulfo Alves.
O cenário recria uma cozinha de Minas, onde um poeta, uma cantora e um músico dão corda na prosa, na poesia e na música, enquanto vão apresentando parte da história de Minas e dos mineiros.
A proposta é que ao final da apresentação o público saia com a sensação de conhecer um pouquinho mais de Minas, mas com a certeza de que trata-se de um lugar incrível e ainda por ser descoberto por brasileiros e estrangeiros.
No elenco estão o poeta Wagner Merije, a cantora e atriz Tâmara David e o músico Matheus Nascimento.
A estreia ocorreu no Sesc Palladium, em Belo Horizonte.

Fotos: Henrique Chendes

Apresentação
Com pão de queijo e rapadura no embornal, venha se aventurar com uma trupe de poetas, músicos e atores nesse lugar povoado de sanfonas e sinfonias, outonos e outroras, aonde um mundo se funda, onde o Rio Jequitinhonha deságua no Mar de Espanha, levando o vaqueiro Riobaldo a bordo de um barquinho de papel.
É uma viagem para dentro do Brasil, como disse Fernanda Montenegro, citada por Caetano Veloso na gravação de A terceira margem do rio, com Milton Nascimento: ”Eu vou ao sul do Brasil e me sinto em um lugar relativamente estrangeiro. Vou a Salvador e me sinto em um lugar bastante estrangeiro… Porque no sul do país parece que fui pra Europa, na Bahia parece que eu fui pra África… Mas quando eu vou a Minas, sinto que fui para dentro do Brasil”, declarou a grande dama do teatro brasileiro.
Minas Gerais, com sua imensidão cultural e geográfica, vem historicamente seduzindo poetas, artistas e viajantes de todo o planeta. Guimarães Rosa junto com Manuelzão fez o caminho que originou o “Grande Sertão: Veredas”. Manoel Bandeira, visitando o estado, produziu o “Guia de Ouro Preto”. Mário de Andrade com Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e o suíço Blaise Cendrars, acompanhados de uma turma da Semana de Arte Moderna, andaram visitando as Gerais, linkando poetas mineiros com  o vasto mundo, oportunidade em que  conheceram Carlos Drummond de Andrade e seus amigos.
Minas é raiz, é tradição, é antiga, mas também moderna e pulsante, sem esquecer de tudo que o envolve o “ser mineiro”: ingênuo, hospitaleiro, desconfiado e feliz.
A inspiração vem dos espetáculos “Poeta, Moça e o Violão” (1973), com Vinícius de Moraes, Clara Nunes e Toquinho, e “Brasileiro, Profissão Esperança” (1974), de Paulo Pontes, interpretado em duas montagens diferentes por Paulo Gracindo e Clara Nunes, Ítalo Rossi e Maria Bethania.

Fotos: Daniel Quintela

 

Duração
90 minutos

 

Contatos para apresentações
Aquarela Brasileira
www.aquarelabrasileira.com.br
faleaquarela@gmail.com
(11) 99821-1330

Rede Social: www.facebook.com/viagemaminasmusical

 

Elenco
Wagner Merije é poeta, compositor, jornalista, roteirista, diretor e curador. Mineiro do mundo, tem trabalhos lançados no Brasil e no exterior e alguns prêmios no currículo. Publicou os livros Astros e Estrelas – Memórias de um jovem jornalista em Londres (2017), Cidade em transe (2015), Viagem a Minas Gerais (2013), Torpedos (2012), Mobimento – Educação e Comunicação Mobile (2012) – finalista do Prêmio Jabuti 2013, e Turnê do Encantamento (2009), lançados em alguns dos principais eventos literários do país. Sua escrita também está em antologias e em outras mídias. Trabalhou para jornais, revistas, TVs e rádios no Brasil e no exterior, tais como Folha de São Paulo/Ilustrada, O Tempo, TV Minas, TV Sesc, Rádio Inconfidência, dentre outros veículos. Criou e coordena o projeto MVMob – Minha Vida Mobile, que capacita estudantes e educadores para a apropriação criativa dos celulares. Tem músicas em discos, filmes, séries e programas de TV. Recebeu os prêmios Sesc Sated (2003), Prêmio Tim da Música Brasileira (2005), Rumos Itaú Cultural (2008), Inovação Educativa Fundação Telefônica – OEI (2011), Prêmio da Música Brasileira (2013)­­­­. Em 2014 foi homenageado pelo Salão Nacional de Poesia Psiu Poético. É de BH, já morou em Londres e desde 2005 habita SP. Mantém o site www.merije.com.br

Tâmara David é atriz, cantora e produtora cultural. Participou de diversos grupos como Teatro Negro e Atitude, Enxadário e Sambaê, onde iniciou o estudo da voz e da percussão através da pesquisa da música de domínio público, como o samba de roda do recôncavo baiano, afoxés, música popular e afro-brasileira. Mineira de Belo Horizonte, radicada em São Paulo, integrou o grupo Ilú Obá De Min de 2007 a 2016, e como coordenadora realizou junto ao grupo preparação vocal e estudo de que inclui cantigas em yorubá presentes na cultura dos terreiros de Candomblé. Também canta em grupos de música popular brasileira, como Prato Principal, Festa da Massa, Mbej-Lua de Encantarias, Samba Negras em Marcha e Tambores em Mim.

Matheus Nascimento começou estudar violão aos 7 anos de idade no sul de Minas, onde nasceu. Hoje, como 26, morando em São Paulo, participa de diversos grupos e acompanha sambistas da nova geração e também da velha guarda, como Zé Maria, Toinho Melodia, Ideval Anselmo, Carlão do Peruche, Embaixada do Samba , Wilson das Neves, entre outros. Dirige musicalmente o grupo Roberta Oliveira & O bando de Lá e participa dos projetos, Cantigas de Alem Mar, Prato Principal e Combo de Musica Brasileira Moacir Santos.

Viagem a Minas Gerais_ilustrações Rômulo Garcias

Ilustrações: Rômulo Garcias

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QUE HISTÓRIA É ESSA (Errata)

Às vezes você precisa encarnar a personagem pra descobrir que a encenação você estava era vivendo antes. A Amara criada pra ser homem, vigente até uns bons três anos atrás, com sua máscara de pêlos faciais e aquela virilidade quadradona toda, jogando as regras do jogo, fazendo o impossível pra que nem ela mesma se désse conta da encenação que vivia. Um dia, no entanto, eis que sento uma madrugada frente à TV e, depois de entrar em transe vendo “Priscila, Rainha do Deserto”, escrevo um poema que demorei anos pra me dar conta de que falava não de uma hipotética pessoa xis trans, mas expressamente de mim:

 

Não fossem seus pêlos vários,

pêlos pelas pernas, pelos

seios, rosto, seus cabelos

curtos, não teria páreo,

nem pra lhe conter armário…

não fosse e, de saias curtas,

decote e salto à la puta,

ia atrás de machos, mãos

brutas, a forçar-lhe o vão

virgem, como quem a estupra.

 

Dali em diante crise, crise dentro de mim anos e anos, até que, nossa, Carnaval de 2014, momento em que a máscara que eu nem sabia que tinha cai no que eu tentava encaixar a outra por cima, a da desentendida “MissUnderstood”, quando fui brincar de me montar e o frescor que conheci, a leveza, a liberdade, o foda-se tudo e mais um pouco não me permitiram mais voltar a ser o que eu até ali vinha sendo, o que queriam tanto que eu fosse.

Próximo passo, o peitinho doendo, querendo crescer de hormônio, faixa de gaze pra disfarçá-lo enquanto ninguém sabia, enquanto eu seguia posando de homem mas já arriscando uma saia, sandália, bolsa – a máscara caída, a decaída, quem só percebia era eu e eu não era besta nem nada, coragem vindo a conta gotas, cada avanço sem alarde sendo medido no espelho.

 

Doído me foi nascendo,

roçando a blusa, marcando,

eu tendo que disfarçá-lo,

faixas, enquanto nada sabiam.

 

Sozinha eu puxava, esticava a pele,

forçava dobras no espelho

pra ver, só pra ver,

se cresciam mais rápido,

não cresciam.

 

Havia ainda os pêlos

e pros pêlos laser

e sem pêlos, nossa,

o que era isso que eu via!

 

Dois dedos, enfim, dois dedos,

seios já o sabiam todos,

mas nada de faixa, quando muito bojo,

e mesmo sem bojo seios.

 

Mulher, o que sou, é o quê?

Algo no olhar, o jeito de mexer as mãos,

brinco talvez, ou o volume dos seios,

onde olham sempre pra saber se sou

e algo isso deve dizer.

 

Então e, sabe-se lá como, só então meus primeiros dias públicos de Amara Moira, já com esse nome próprio que roubei de Homero (cria dos livros, eu e meu destino amargo), plenamente estabelecida em São Paulo, toda síssi, emperequetada, peruca e penduricalhos, da Saúde, onde passei a morar, à Paulista e de lá o Arouche, belíssima carregando o cartaz “acredite ou não / sou eu sim / sim eu sou / ou não acredite” na Parada LGBT, maio de 2014. Mas o êxtase mesmo veio, na Blue Space, ao topar comigo amiga que me conhecia há década e nos apresentarmos e tirarmos foto, só bem depois ela se dando conta de que aquela era eu, agora Amara.

Foi inclusive difícil me livrar dessa belezurice toda, voltar a me sentir não só bonita mas Amara sem esses pós, batons e afins, maldição, invenção duma dragqueen que conheci três dias antes no metrô República, hoje amicíssima minha, e que cismou de me fazer ver no espelho o que até ali eu nem, imagino, ninguém acreditaria possível: essa Amara que, ai, por favor, desculpa, se não for incômodo, nem pedir demais, obrigada, eu gostaria que a partir de agora fosse o meu próprio nome, pode ser? “Pode sim mas, já que é pra ser Amara, que tal uma magiazinha nessa cara?” Eis o que ela me disse e Amara fez-se, espelho, espelho meu.

Só que, sendo eu incapaz de sozinha me produzir assim, a nulidade encarnada em artes cosméticas, depois dali não me restava senão depressão, espelho que não me deixava mentir, me sentir pavorosa dia após dia. E cadê coragem pra sair da cama, coragem pra pisar na rua, olhares me acompanhando aonde quer que eu fosse, ser que ninguém sabia ao certo dizer o que é mas que todos se permitiam olhar. Tocar também, bunda, coxa, peito, coisa que percebi cedo, assédio, meu corpo agora se tornando público, corpo travesti, e a primeira arma na cabeça a gente nunca esquece, polícia dando geral na Roosevelt, experiências, essas todas, que jamais me ocorreram nos vinte e nove anos que existi como homem, aquela máscara de pêlos faciais me servindo de escudo talvez.

Uma hora, chega, a confiança vem e se instala e nem mais peruca mas meus próprios cachos, eu toda dona de mim, toda ao natural, capaz de me olhar no espelho e me sentir Amara, capaz de devolver olhares a quem insiste em só saber me ver como a aberração que é.

E aí a chuva de perguntas básica, qual seu genital, nossa, essa obsessão, vontade incontrolável de saber o que diabos temos entre as pernas, e qual seu nome “de verdade”, defina “verdade”, e que história é essa de travesti bi? Bi só quem não for travesti, pelo visto, e tela azul quando me veem de mãos dadas com a minha namorada (“vocês são irmãs?”), alvoroço desde a primeira vez que trocamos beijos na Barra Funda, coraçãozinho aflito ao finalmente ir conhecer sua mãe em Perdizes. Como se comportariam ao ver poema que escrevi sobre ela, essa resistência de seu corpo em vestir-se?

QUASE

 

Seu vestido veste-se por baixo,

os pés primeiro, a tatuagem,

pele branca a se cobrir de azul.

Juntos entãos os joelhos,

mão repuxando o vestido,

perde-se de vista

o tufo de cabelos pretos.

 

Pernas já todo cobertas,

aguarda sem resistência

que chegue sua vez o umbigo.

Daí se divisam os pés,

num deles rama de flor,

rama quase raiz

que o vestido, em se vestindo,

como que arranca à terra.

 

Seios, um se revolta, enrosca

no vestido, recusa a coberta,

mas vêm as mãos,

mãos vêm “sem mas”,

e, da recusa em se deixar cobrir,

impresso em alto relevo

o bico apenas.

 

Travesti também faz poema e nem precisa ser de homem. Inusitado, né?

O passado longínquo, o não tão longínquo assim e o quase hoje, o que eles me permitem pensar do futuro, esse de amanhã mas também o de, se possível, daqui a uma década. Tempo passa corrido em São Paulo, ainda mais quando se é travesti, esses só trinta e pouquinhos anos que insistem em nos deixar viver. Só sei que da época em que eu camelava a Augusta com aquela máscara facial de pêlos pra hoje, a diferença é que agora eu preciso caçar lâmpadas por trás de cada olhar se eu quiser mesmo sair de lá viva.

Amara Moira é travesti, prostituta, doutoranda em teoria literária pela Unicamp, feminista e militante dos direitos de LGBTQIAs e de profissionais do sexo. Além disso, ela é autora do livro “E Se Eu Fosse Puta” (hoo editora, 2016), onde escreve das suas experiências na prostituição por uma perspectiva feminista ao mesmo tempo que literária, buscando apresentar ao leitor em detalhe a vida a que temos direito enquanto travestis, enquanto prostitutas.

 

ERRATA:

Este é o texto original escrito por Amara Moira para o livro “São Paulo em palavras”, cujo conteúdo no livro saiu diferente.

Pedimos desculpas à autora.

Equipe Aquarela Brasileira